Artigo: Guerra Comercial: O Primeiro Tiro

Orlando Monteiro da Silva*

Vive-se, na atualidade, uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a China com ações e consequências imprevisíveis para a economia mundial como um todo. Mas qual é a origem e as justificativas para essa guerra? A origem foi a decisão do governo dos Estados Unidos de reduzir o crescente déficit comercial (importações maiores que as exportações), que atingiu 950 bilhões de dólares em 2018. Ao mesmo tempo, o governo cumpriria uma promessa de campanha, protegendo a enfraquecida indústria americana, do que o Presidente Trump chamou de “práticas internacionais agressivas”. Assim, em março de 2018, a Casa Branca adotou sobretaxas (tarifas) de 25% e 10% sobre o aço e o alumínio, respectivamente, alegando um surto de importações (principalmente do aço) com preços abaixo daqueles de mercado e muitas vezes, subsidiados pelos países de origem.

O argumento político utilizado pelos Estados Unidos foi o da proteção essencial à segurança nacional, baseado em uma lei interna (Trade Expansion Act de 1962). Em termos econômicos, a medida configurou-se como uma “salvaguarda“, que é a imposição temporária de taxas adicionais ou restrições nas quantidades importadas, para proteger um setor específico da economia que esteja sofrendo dano pelo aumento nas importações. Ela é diferente de outras medidas de defesa comercial, tais como as medidas compensatórias e as antidumping, quando as retaliações ocorrem sobre uma empresa específica, comprovado o dano à indústria doméstica. No caso das salvaguardas o país adota as restrições sem especificar a empresa ou parceiro comercial que será atingido pela medida. As regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) permitem o uso das salvaguardas desde que observados procedimentos específicos para a sua aplicação. Apesar da medida dos Estados Unidos ter sido aplicada de forma generalizada, deve ser lembrado que as importações do México, Canadá, Brasil, Argentina e Austrália, foram posteriormente isentas daquele aumento das tarifas.

As salvaguardas costumam ser altamente protecionistas, desde que alguns exportadores podem ser punidos simplesmente por produzirem com custos menores (serem mais eficientes) do que os produtores domésticos.

A opção pelo aço deveu-se ao excesso de produção mundial que vem batendo recordes ano após ano. A produção mundial quase dobrou entre 2000 e 2017, com um crescimento de 47,1%. Segundo a Associação Mundial do Aço (WSA)[1] , a produção atual é de 1,69 bilhões de toneladas, com a China sendo o maior produtor (831,73 milhões/ton), seguida da União Europeia (168,31 milhões/ton) e do Japão (101,44 milhões/ton). Os Estados Unidos são o quinto maior produtor mundial (81,61 milhões/ton) e o Brasil o oitavo (34.36 milhões/ton). Em termos de exportações, a China detém 13,5% do mercado, seguida do Japão (6,7%) e da Coréia do Sul (6,0%). Esse excesso de produção tem reduzido os preços e inundado os mercados mundiais, o que gerou a pressão da indústria dos Estados Unidos por proteção e o primeiro tiro dessa guerra comercial com a China.

[1] https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=World+Steel+Association

*Professor Titular da UFV.

Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.