Artigo: Um tiro no pé

Orlando Monteiro da Silva*

Na última sexta feira o mundo foi surpreendido com mais uma notícia bombástica do presidente Donald Trump. Dessa vez, com a imposição de uma tarifa progressiva sobre todos os produtos que os Estados Unidos importam do México. Iniciando no dia 10 de junho, o preço do produtos mexicanos seriam acrescidos de 5% ao mês até atingirem 25% em outubro.

A alegação para essa medida é de que o México deveria ser penalizado com uma redução nas importações, pela adoção de uma política branda no controle da imigração de mexicanos e de pessoas de outras nacionalidades, principalmente, hondurenhos, guatemaltecos, salvadorenhos, que utilizam o território mexicano para entrar ilegalmente nos Estados Unidos. O México tem os Estados Unidos como principal destino de suas exportações e junto ao Canadá faziam parte do Acordo Norte Americano de Livre Comércio (NAFTA). Por iniciativa do próprio Donald Trump aquele Acordo foi renegociado em 2018 e agora se chama USMCA (Acordo do Estados Unidos, México e Canadá). Com tal renegociação, o governo americano já havia imposto ao México condições comerciais mais favoráveis na geração de empregos nos Estados Unidos, como por exemplo, o aumento da porcentagem de peças americanas que um carro produzido no México deveria conter, independente do aumento de custo dos veículos.

Com a adoção das novas tarifas, os preços dos veículos e de todos os demais produtos serão elevados para o consumidor americano pelo valor da tarifa. Ao persistir essa política, o consumo de muitos produtos mexicanos deverá ser reduzido nos Estados Unidos, reduzindo as exportações e o emprego no México. Contudo, é importante chamar a atenção para o fato de que muitos produtos que os Estados Unidos importam do México são montados em cidades próximas da fronteira americana, nas conhecidas  “maquiladoras”, com peças e componentes fabricados nos Estados Unidos e montados com a mão de obra mexicana, mais barata. Uma elevação do preço daqueles produtos em decorrência das tarifas reduziria o comércio e, novamente, o desemprego no México, gerando uma pressão migratória maior. Afinal de contas, há interdependência entre os mercados de produtos e de fatores de produção. A obsessão do presidente Trump pela redução migratória o impede de enxergar as consequências de suas políticas, que em muitos casos, revelam-se como um  “tiro no pé”.

*Professor Titular da UFV.

Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Artigo: Mais uma de Mr. Trump

Orlando Monteiro da Silva*

A guerra comercial entre os Estados Unidos e a China ganhou um novo capítulo com a divulgação pelo presidente Donald Trump da imposição de uma tarifa de 10% sobre 300 bilhões de dólares em produtos importados da China. Foi divulgado, ainda, que essa tarifa poderia chegar a 25%, dependendo da reação da China. A alegação é de que a China refutou em assinar acordo anteriormente proposto e que estaria tirando bilhões de dólares da economia americana, ao forçar a transferência de tecnologia e violar os direitos de propriedade intelectual, além de adotar uma política cambial “suja”, de manter desvalorizada a sua moeda (yuan). Segundo Trump, “caso as empresas estrangeiras não queiram pagar tarifas, elas devem se transferir para os Estados Unidos e gerar empregos no país”.

É importante frisar que a imposição de uma tarifa eleva os preços dos produtos taxados nos Estados Unidos, pois são os importadores daquele país que pagarão essa taxa adicional. Mesmo se os lucros obtidos com as vendas internas forem altos, é difícil de acreditar que eles sejam muito maiores do que 10%, em um país onde a concorrência é tão acirrada. Assim, os aumentos de preços deverão ser repassados aos consumidores, mesmo que em proporções menores e, o comércio desses produtos será reduzido. A queda nas exportações da China para o grande mercado americano, no médio prazo, deverá leva-la a buscar compensações em outros mercados, ou fazer acordos com os próprios Estados Unidos para minimizar os efeitos internos dessa queda.

O que realmente está em jogo, nos Estados Unidos, é a promessa de campanha do presidente Trump de fortalecer a indústria local e, também, de reduzir os grandes e frequentes déficits comerciais com a China. A queda nas taxas do crescimento chinês nos últimos trimestres e a desaceleração da economia global são fatores favoráveis à essa política comercial e uma maior pressão maior sobre a China. Contudo, muitos dos produtos que entram nos Estados Unidos são de empresas que utilizam partes ou componentes de empresas americanas que se instalaram na China para aproveitar a mão de obra barata, a disponibilidade de tecnologia e a proximidade de um mercado com bilhões de consumidores. Se as condições produtivas não melhorarem nos Estados Unidos elas não voltarão a produzir lá. Caso as condições piorem na China, essas empresas podem se instalar em outros países daquela região, tais como no Vietnã, Indonésia ou Índia, com acesso livre das tarifas do mercado americano.

No momento, fica difícil de prever qualquer resultado desse embate, mas pode-se esperar taxas menores para o crescimento global. Os mais prejudicados serão os países menores e aqueles em desenvolvimento, em função do aumento das incertezas internacionais, maior volatilidade cambial, redução nos investimentos e nos negócios internacionais.  O sistema de regras comerciais internacionais, supervisionado pela OMC, também ficará fragilizado pelas transgressões das duas maiores economias mundiais às normas acordadas.

*Professor Titular da UFV.

Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Artigo: O Acordo Mercosul x União Europeia: visão geral

Orlando Monteiro da Silva*

Fechado depois de 20 anos de negociações, o acordo entre os blocos econômicos MERCOSUL e União Europeia engloba 27 países membros da União Europeia (Inglaterra não considerada pelo Brexit) e 4 países do MERCOSUL (Venezuela está suspensa). Esses países são responsáveis por 25% de toda a produção (PIB) mundial. Com essa dimensão econômica e uma população de quase 800 milhões de pessoas, o acordo se torna ainda mais relevante pela sua abrangência, que engloba liberalizações nos mercados de produtos, serviços, compras governamentais e de investimentos.

A assinatura do acordo, por enquanto, só afeta as expectativas dos agentes econômicos, desde que, para seu início formal, há a necessidade da aprovação pelo Parlamento Europeu e depois pelos parlamentos de cada país membro da União Europeia e do MERCOSUL. Isso ainda pode levar anos, mas somente a notícia da assinatura do acordo já faz com que os empresários comecem a se preparar para a competição e coloca sobre os governos a responsabilidade de buscarem políticas de adequação e acomodação às mudanças. Há diferentes prazos a serem cumpridos pelos dois blocos comerciais na redução das barreiras que estão embutidas no próprio acordo. A União Europeia se compromete em eliminar as tarifas sobre alguns produtos agrícolas logo após a ratificação do acordo e dar acesso preferencial com tarifas reduzidas a quantidades limitadas (quotas) de outros. Todos os demais produtos (90% das exportações) teriam entre 10 e 15 anos para terem as tarifas eliminadas. No mesmo período, o MERCOSUL eliminará mais de 90% das tarifas dos produtos oriundos da EU.

O setor agrícola do MERCOSUL, que exportará mais, e os consumidores da União Europeia que pagarão preços menores, serão muito beneficiados. Serão beneficiados, também, os consumidores do MERCOSUL que poderão comprar os produtos mais baratos e muitas vezes melhores, da União Europeia. No médio prazo, a importação de componentes e equipamentos mais modernos, devem melhorar a produtividade e a competitividade de alguns setores da indústria do MERCOSUL. Em cada país, uma realocação dos recursos deve tornar mais produtivos e competitivos os setores em que há vantagens em termos de custo. No entanto, em alguns deles a competição mais acirrada vai causar o deslocamento de trabalhadores e reduzir o lucro das empresas, podendo afastá-las do mercado.

De maneira geral, os países prosperam quando se abrem à competição internacional e se tornam mais fortes. Contudo, as políticas liberais não são o remédio para todos os males e alguns países podem continuar com sérios problemas econômicos. As vantagens da abertura comercial só funcionam quando integradas a outros princípios econômicos tais como respeito ao direito à propriedade, mercado de trabalho desregulado e políticas fiscais e monetárias ajustadas. No Ranking 2019 da competitividade internacional, calculado para 63 países e que utiliza indicadores de Performance Macroeconômica, Eficiência dos Governos, Ambiente de Negócios e Infraestrutura, Brasil e Argentina aparecem nas posições 59 e 61, respectivamente. Isso sugere que a melhor oportunidade do Acordo para os países do MERCOSUL ainda é aquela de reformas internas.

*Professor Titular da UFV.

Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.