Artigo: O grau de abertura de um país ao comércio internacional

Orlando Monteiro da Silva*

Uma medida convencional do grau de abertura de um país ao comércio internacional é dada pela soma do valor das exportações e das importações de bens e serviços, dividida pelo valor de todos os bens e serviços produzidos nesse mesmo país, durante determinado ano (Produto Interno Bruto ou PIB).  A disponibilidade de dados sobre as exportações, importações e PIB dos países permite que esse indicador seja facilmente calculado e utilizado para comparação entre os diferentes países ou regiões. Com dados da Organização Mundial do Comércio pode-se calcular o grau de abertura do comércio mundial, no ano de 2017, somando-se US$ 17.950 trilhões das exportações de bens e serviços, com US$ 18.157 trilhões das importações dos mesmos bens e dividindo-se por US$ 77.521 trilhões, correspondentes ao PIB mundial naquele ano. O valor de 0,465 seria o grau de abertura comercial mundial sugerindo que, naquele ano, em média, 46,5% do valor da produção dos países, foi comercializado em nível internacional (Importado ou exportado).

A tabela a seguir mostra o grau de abertura do Brasil e de outros países selecionados, no ano de 2017. O valor encontrado para o Brasil corresponde à metade da média mundial e que o país é o mais fechado entre aqueles da amostra.

País Grau de Abertura País Grau de Abertura
Brasil 0,233 Índia 0,517
Argentina 0,276 Rep. da Coreia 0,758
China 0,378 Cingapura 2,430
Estados Unidos 0,290 Suíça 1,120
Rússia 0,426 Luxemburgo 0,941

Existem, contudo, algumas características que devem ser observadas sobre essa medida. Uma delas é que a importância relativa do comércio pode ser parcialmente explicada pela extensão territorial dos países. Países com grandes áreas geográficas tendem a substituir o comércio internacional pelo comércio entre suas diversas regiões e apresentam baixos valores para o grau de abertura. De maneira oposta, muitos dos países extremamente abertos são países pequenos, sem muitos recursos naturais e que apresentam valores altos para o grau de abertura. Outra característica dessa medida é que ela subestima a importância do comércio internacional dos países. As condições internacionais afetam os preços dos substitutos domésticos das importações ou exportações, tanto quanto dos bens comercializáveis internamente. Como exemplos, pode-se dizer que mesmo se um país importar somente parte do petróleo que consome ou, exportar somente parte da soja que produz, a totalidade dos preço desses bens vai ser afetada pelas condições externas. Também, mesmo os produtos que não são comercializáveis no mercado internacional, são afetados através dos fatores de produção (O valor da corrida de um taxi depende do preço do petróleo). Calculado dessa forma, portanto, o grau de abertura de um país representa um limite inferior da sua participação no comércio internacional.

*Professor Titular da UFV.

Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Artigo: Padrões privados e comércio internacional

Orlando Monteiro da Silva*

O comércio internacional está muito regulado na atualidade. Com a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1995, os países membros tiveram que aderir às normas não tarifárias dos Acordos de Barreiras Técnicas (TBT) e de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS). Como os próprios nomes indicam, tais acordos ditam padrões técnicos e sanitários aos produtos, que as empresas exportadoras devem adotar, se o objetivo é acessar os mercados dos outros países membros. A adoção de normas e regulamentos técnicos e o controle de doenças e pragas transmissíveis aos humanos, animais e plantas beneficiou em muito o comércio, principalmente, por transmitir confiança aos consumidores na aquisição de produtos padronizados e mais seguros.

Usualmente, as normas técnicas, sanitárias e fitossanitárias são emitidas por órgãos governamentais dos países (INMETRO, ANVISA e MAPA, no caso do Brasil) e repassadas aos parceiros comerciais por meio de notificações a OMC. Acontece que, além dessas medidas públicas, existem também as medidas ou padrões privados, que englobam quaisquer requerimentos ou condições estabelecidas por entidades não governamentais, incluindo varejistas, atacadistas, associações nacionais de produtores ou grupos da sociedade civil. Como exemplos, pode-se citar o requerimento por uma rede de lanchonetes de que a carne utilizada em seu hamburguer seja originária de boi-verde (alimentado somente por capim), ou, por uma cadeia de móveis de madeira, de vender produtos certificados com origem em florestas plantadas.

Os padrões privados já existem há bastante tempo e tem sido utilizados para diferenciar a qualidade dos produtos (ex: produtos orgânicos) ou a preferência dos consumidores (ex: práticas de comércio justo – fair trade). Contudo, eles proliferaram, principalmente, com a adoção do Food Safety Act, lei de 1990 da Inglaterra, que estabeleceu que as empresas do setor de alimentos, seriam responsabilizadas pela segurança dos produtos que fornecessem aos consumidores. Na União Europeia, um aperto na legislação relativa aos resíduos de pesticidas na horticultura e os escândalos na segurança alimentar, com o  “mal da vaca louca”, minaram a confiança dos consumidores e levaram a criação da General Food Law, que também colocou a responsabilidade legal primária de garantir a segurança alimentar nos operadores das empresas do setor de alimentos. A resposta imediata dos varejistas foi aumentar o monitoramento e o controle sobre as cadeias de suprimento, levando as empresas a criarem seus próprios padrões (Red Tractor, EUREPGAP, Tesco Nature Choice, etc). Ressalta-se que, além do foco na segurança alimentar, esses padrões frequentemente incluem questões relevantes para a imagem da marca ou empresa, tais como o impacto sobre o meio ambiente, o bem-estar dos animais ou as condições de trabalho.

É fato que os padrões privados ajudam os produtores a melhorar a qualidade dos seus produtos para atender os mercados mais exigentes de alta renda. No entanto, eles são muito mais restritivos e prescritivos do que os requerimentos oficiais de importação aumentando os custos de transação, pela imposição de processos produtivos mais rigorosos e com custos maiores de adequação e inspeção. A grande preocupação é que os pequenos produtores dos países menos desenvolvidos estejam sendo excluídos das cadeias de suprimento de alto valor dos países ricos, não só pelos custos mais altos, mas também, pelo pequeno poder de barganha, quando comparado ao dos grandes produtores e das empresas multinacionais.

*Professor Titular da UFV.

Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Artigo: Pirataria e economia

Orlando Monteiro da Silva*

Pesquisa recente da FECOMÉRCIO[1] mostrou que 1 em cada 5 pessoas compra produtos piratas no Rio de Janeiro, com um prejuízo de R$ 665 milhões nos últimos 12 meses.  O comércio de produtos piratas (falsificados) é um grande desafio para os países que investem em inovação, desde que, qualquer produto cujo direito de propriedade adicione valor ou crie um diferencial de preços, vira alvo dos falsificadores. Esses produtos variam de artigos de luxo como relógios, perfumes e utensílios de couro, até brinquedos, cigarros, remédios e alimentos.

Por deslocar atividades econômicas legítimas, a pirataria tem efeitos negativos na receita e lucro dos negócios, na arrecadação fiscal dos governos, nos investimentos e, na segurança e saúde dos consumidores, estando diretamente ligada a atividades criminais.

Os mercados onde os produtos falsificados ocorrem, como em qualquer outro mercado, tem o lado da demanda, constituído por consumidores individuais ou firmas e o lado da oferta, constituído pelos produtores de componentes ou de produtos finais. Os determinantes da demanda são os mesmos daqueles de qualquer produto legal, mas com características especiais. O produto pirata é um substituto do produto original, usualmente, com preços menores, cuja demanda vai depender muito da sua qualidade física, da renda e da ética do consumidor, além das preocupações que ele tem com os riscos com a segurança e a saúde. É por isso que o ambiente institucional onde os consumidores atuam também é importante. Quando se faz vista grossa à ilegalidade e quando há complacência com a produção e venda dos produtos piratas, o consumo vai ser disseminado.

Do lado da oferta, os produtores pegam “carona“ no valor econômico associado aos direitos de propriedade intelectual. Eles visam o lucro e enfrentam os mesmos desafios dos fabricantes dos produtos legítimos (custos da produção e distribuição), mas com grande vantagem por não incorrerem nos custos relacionados à pesquisa e desenvolvimento, marketing, regras de segurança e de controle do meio ambiente. Assim, os incentivos em oferecer os produtos piratas surgem do mark-up maior(valor cobrado acima do custo marginal) e do tamanho do mercado. Por outro lado, a complexidade das condições tecnológicas e logísticas da produção e da distribuição pode dificultar a participação dos produtos piratas nos diferentes mercados. Tal participação é dificultada, também, pela existência de um arcabouço legal e regulatório que inclua penalidades aos infratores.

O que deve ser entendido é que a pirataria é uma forma de roubo, com a aquisição e uso ilegal da propriedade intelectual, que desvia recursos públicos e privados que poderiam ser aplicados em atividades mais produtivas. Portanto, ela deve ser combatida, primeiro, com campanhas educativas e de esclarecimento ao público sobre os seus perigos e ilegalidades e depois, com o endurecimento das penalidades e a aplicação efetiva das leis.

[1] http://www.fecomercio-rj.org.br/noticias/uma-em-cada-cinco-pessoas-compra-produtos-piratas-no-rio-de-janeiro

*Professor Titular da UFV.

Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Artigo: Um tiro no pé

Orlando Monteiro da Silva*

Na última sexta feira o mundo foi surpreendido com mais uma notícia bombástica do presidente Donald Trump. Dessa vez, com a imposição de uma tarifa progressiva sobre todos os produtos que os Estados Unidos importam do México. Iniciando no dia 10 de junho, o preço do produtos mexicanos seriam acrescidos de 5% ao mês até atingirem 25% em outubro.

A alegação para essa medida é de que o México deveria ser penalizado com uma redução nas importações, pela adoção de uma política branda no controle da imigração de mexicanos e de pessoas de outras nacionalidades, principalmente, hondurenhos, guatemaltecos, salvadorenhos, que utilizam o território mexicano para entrar ilegalmente nos Estados Unidos. O México tem os Estados Unidos como principal destino de suas exportações e junto ao Canadá faziam parte do Acordo Norte Americano de Livre Comércio (NAFTA). Por iniciativa do próprio Donald Trump aquele Acordo foi renegociado em 2018 e agora se chama USMCA (Acordo do Estados Unidos, México e Canadá). Com tal renegociação, o governo americano já havia imposto ao México condições comerciais mais favoráveis na geração de empregos nos Estados Unidos, como por exemplo, o aumento da porcentagem de peças americanas que um carro produzido no México deveria conter, independente do aumento de custo dos veículos.

Com a adoção das novas tarifas, os preços dos veículos e de todos os demais produtos serão elevados para o consumidor americano pelo valor da tarifa. Ao persistir essa política, o consumo de muitos produtos mexicanos deverá ser reduzido nos Estados Unidos, reduzindo as exportações e o emprego no México. Contudo, é importante chamar a atenção para o fato de que muitos produtos que os Estados Unidos importam do México são montados em cidades próximas da fronteira americana, nas conhecidas  “maquiladoras”, com peças e componentes fabricados nos Estados Unidos e montados com a mão de obra mexicana, mais barata. Uma elevação do preço daqueles produtos em decorrência das tarifas reduziria o comércio e, novamente, o desemprego no México, gerando uma pressão migratória maior. Afinal de contas, há interdependência entre os mercados de produtos e de fatores de produção. A obsessão do presidente Trump pela redução migratória o impede de enxergar as consequências de suas políticas, que em muitos casos, revelam-se como um  “tiro no pé”.

*Professor Titular da UFV.

Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Artigo: Mais uma de Mr. Trump

Orlando Monteiro da Silva*

A guerra comercial entre os Estados Unidos e a China ganhou um novo capítulo com a divulgação pelo presidente Donald Trump da imposição de uma tarifa de 10% sobre 300 bilhões de dólares em produtos importados da China. Foi divulgado, ainda, que essa tarifa poderia chegar a 25%, dependendo da reação da China. A alegação é de que a China refutou em assinar acordo anteriormente proposto e que estaria tirando bilhões de dólares da economia americana, ao forçar a transferência de tecnologia e violar os direitos de propriedade intelectual, além de adotar uma política cambial “suja”, de manter desvalorizada a sua moeda (yuan). Segundo Trump, “caso as empresas estrangeiras não queiram pagar tarifas, elas devem se transferir para os Estados Unidos e gerar empregos no país”.

É importante frisar que a imposição de uma tarifa eleva os preços dos produtos taxados nos Estados Unidos, pois são os importadores daquele país que pagarão essa taxa adicional. Mesmo se os lucros obtidos com as vendas internas forem altos, é difícil de acreditar que eles sejam muito maiores do que 10%, em um país onde a concorrência é tão acirrada. Assim, os aumentos de preços deverão ser repassados aos consumidores, mesmo que em proporções menores e, o comércio desses produtos será reduzido. A queda nas exportações da China para o grande mercado americano, no médio prazo, deverá leva-la a buscar compensações em outros mercados, ou fazer acordos com os próprios Estados Unidos para minimizar os efeitos internos dessa queda.

O que realmente está em jogo, nos Estados Unidos, é a promessa de campanha do presidente Trump de fortalecer a indústria local e, também, de reduzir os grandes e frequentes déficits comerciais com a China. A queda nas taxas do crescimento chinês nos últimos trimestres e a desaceleração da economia global são fatores favoráveis à essa política comercial e uma maior pressão maior sobre a China. Contudo, muitos dos produtos que entram nos Estados Unidos são de empresas que utilizam partes ou componentes de empresas americanas que se instalaram na China para aproveitar a mão de obra barata, a disponibilidade de tecnologia e a proximidade de um mercado com bilhões de consumidores. Se as condições produtivas não melhorarem nos Estados Unidos elas não voltarão a produzir lá. Caso as condições piorem na China, essas empresas podem se instalar em outros países daquela região, tais como no Vietnã, Indonésia ou Índia, com acesso livre das tarifas do mercado americano.

No momento, fica difícil de prever qualquer resultado desse embate, mas pode-se esperar taxas menores para o crescimento global. Os mais prejudicados serão os países menores e aqueles em desenvolvimento, em função do aumento das incertezas internacionais, maior volatilidade cambial, redução nos investimentos e nos negócios internacionais.  O sistema de regras comerciais internacionais, supervisionado pela OMC, também ficará fragilizado pelas transgressões das duas maiores economias mundiais às normas acordadas.

*Professor Titular da UFV.

Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.