AMIS – Um bom sistema internacional de informações agrícolas

Orlando Monteiro da Silva*

Nos anos de 2007/08 o mundo passou por uma grave crise de alimentos. De acordo com a FAO, entre 2005 e 2008, a elevação recorde nos preços de produtos básicos, como trigo (127%), milho (297%) e arroz (170%) empurrou 40 milhôes de pessoas para a fome, para uma estimativa dos 963 milhões já existentes. Muitos foram os fatores que contribuiram para a grande elevação de preços agrícolas naquele período. Pode-se começar citando as prolongadas secas que ocorreram em países grandes produtores, como a Austrália e em países europeus, que reduziram a oferta de alimentos. O rápido crescimento econômico de países populosos como a China, que aumentou a demanda e, consequentemente, os preços. Ao mesmo tempo, ocorria nos Estados Unidos e na Europa, em função da elevação dos preços do petróleo, um aumento da demanda por milho e soja para a produção de biocombustíveis, o que reduziu a oferta para o consumo humano e animal. Também, o baixo nível de estoques desses produtos gerou uma especulação nos mercados futuros, aumentando a volatilidade e os níveis de preços.   

O aumento nos preços dos alimentos básicos, contribuiu para a elevação das taxas de inflação, redução da renda e aumento da insegurança alimentar, principalmente dos países e consumidores mais pobres, gerando turbulência política e social em várias partes do mundo. Foi sob esse cenário que o grupo dos países mais ricos do mundo (G20), reunido em Seul (Coréia),  em 2010, decidiu criar um sistema de informações agrícolas para diminuirr e gerenciar melhor os riscos associados à volatilidade dos preços dos alimentos e proteger os países mais vulneráveis. Um consorcio de 10 organizações internacionais (FAO, IFPRI, IFAD, OCDE, IGC, UNCTAD, The World Bank, WFP, GEOGLAM e WTO) foi criado, sob a coordenação da FAO e do G20 e, em setembro de 2011, lançou o Sistema de Infornmações de Mercado Agricola (AMIS). Essa instituição é formada por uma Secretaria, que funciona na sede da FAO, em Roma, e que tem um comitê gestor com representantes das dez organizações. Tem um grupo de informação de mercado, constituido por representantes de cada país membro (G20 mais 8 países grandes produtores) e que se reune duas vezes por ano, com função de fornecer informações sobre a oferta,  demanda, preços e os desenvolvimentos recentes em seus países que podem impactar os mercados. Tem, também, um forum de resposta rápida, que se reúne uma vez por ano para promover discussões sob as condições críticas de mercado e como conduzi-las. 

Por enquanto, o AMIS acompanha os mercados de milho, arroz, trigo e soja e os países que fazem parte do Grupo, respondem por uma produção acima de 95% daqueles produtos. Com uma regularidade mensal, são apresentados e estão disponíveis em um banco de dados, informações sobre os preços, produção e comércio dos quatro produtos, além dos preços do petróleo, ethanol, fertilizantes, frete marítimo e dólar. Em um outro banco de dados, aparecem as restrições ao comércio (tarifas e restrições às exportações, cotas tarifárias e suporte aos produtores e consumidores), com informações da OCDE e WTO. Disponibiliza um monitor eletrônico, divulga eventos e diversas publicações sobre os mercados dos quatro produtos. O acesso é livre e vale muito a pena conhecer e navegar naquela plataforma.   

* Professor colaborador/voluntário da UFV. Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Opinião Orlando Silva – Agenda ESG

Orlando Monteiro da Silva*

A sigla ESG surgiu pela primeira vez em 2004, em uma publicação do Pacto Global em parceria com o Banco Mundial, criado pelo então secretário nas Nações Unidas, Kofi Annan. O Pacto Global foi uma iniciativa das Nações Unidas para que as empresas alinhassem suas estratégias de negócios com os Princípios Universais nas áreas de Direitos Humanos, Meio Ambiente, Trabalho, entre outras, perfazendo 17 objetivos de desenvolvimento sustentável. O desafio lançado por Kofi Annan às empresas, foi de que elas deveriam olhar além do lucro, considerando, também, em suas operações, as questões ambientais, sociais e éticas. A ideia pegou e a adoção dos critérios ESG hoje é uma realidade, trazendo benefícios não só para as empresas, mas para toda a sociedade.                                                                                                        

A Agenda ESG enfoca três pilares fundamentais para a sustentabilidade e a responsabilidade corporativa: Ambiental (Environmental), Social e de Governança, representados pelas iniciais E, S e G, respectivamente. No pilar Ambiental as empresas deveriam se preocupar com o impacto de suas atividades na sustentabilidade ambiental, incluindo o cuidado na gestão dos recursos naturais, na conservação da biodiversidade, na redução da emissão de resíduos e poluentes e, na eficiência energética, além dos efeitos que contribuam para as mudanças climáticas. O pilar Social foca no relacionamento das empresas com as pessoas e com sociedade. Aqui estão as relações com a comunidade onde atuam e os programas sociais que elas patrocinam, a observância dos direitos humanos, da segurança e da saúde de seus trabalhadores, da diversidade e inclusão. O pilar da Governança refere-se às práticas da boa gestão das empresas, que deveriam sempre atuar com ética e transparência, observando a qualidade das divulgações financeiras, com conselhos de administração independentes e que busquem garantir os interesses entre todos os envolvidos (stakeholders). 

A Agenda ESG tem ganhado destaque em todas as atividades e setores da economia, com as definições que a sustentam sendo as mesmas em qualquer país do mundo. Consumidores, investidores e acionistas das empresas estão cada vez mais atentos e exigentes às questões ambientais, sociais e de governança e as empresas precisam demonstrar seus compromissos com a sustentabilidade, sob pena de sofrerem severas restrições comerciais. Apesar de contestáveis, as “barreiras ESG” já são uma realidade no comércio internacional. Taxas sobre a emissão de carbono, restrições à compra de produtos oriundos de regiões de desmatamento, que tenham utilizado mão de obra infantil ou análoga à condição de escravidão, ou que, em sua produção, desrespeitem os direitos humanos, tendem a se tornar mais frequentes. Para evitá-las os exportadores devem agir com transparência e enfatizar ações que demonstrem sustentabilidade, tais como as certificações ambientais, a responsabilidade social, o gerenciamento das emissões de carbono e mostrar que as empresas parceiras também compartilham dos mesmos valores. 

É a preferência e o comportamento dos consumidores que direciona as empresas para a adoção da agenda ESG. O que se deve ter em mente é que o cumprimento dessa agenda vai adicionar um custo extra em todo o processo.

* Professor colaborador/voluntário da UFV. Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Opinião Orlando Silva – Reforma Tributária e Competitividade

Orlando Monteiro da Silva*

A reforma tributária aprovada na câmara dos deputados se refere às mudanças no regime de tributação do consumo de bens e serviços. A tributação sobre a renda não foi alterada. A reforma aprovada substitui cinco impostos existentes no país, sendo três federais: IPI – Imposto sobre produtos industrializados; PIS – Programa de integração social; COFINS – Contribuição para o financiamento da seguridade social; um estadual: ICMS – Imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços; e, um municipal: ISS – Impostos sobre serviços, por um imposto geral, que será uma porcentagem sobre o preço dos bens e serviços. Na realidade, desse Imposto sobre o Valor Agregado (IVA dual), a União vai arrecadar uma parcela, chamada de Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substituirá os impostos federais e, os estados e municípios vão arrecadar o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá o imposto estadual e o municipal. Os impostos passam a ser pagos no destino ou local de consumo e não mais na origem, ou local de produção. Não há dúvidas de que o imposto único vai reduzir custos pela sua enorme simplificação, vai tornar mais fácil a fiscalização pela transparência e aumentar a arrecadação, com mais formalização e menos disputas judiciais. No caso do IBS, por exemplo, será  eliminada a necessidade de observar 27 diferentes legislações estaduais e mais de 5.500 legislações municipais. Como a carga tributária total deve permanecer a mesma, o valor padrão do IVA vai depender das exceções que forem concedidas a alguns setores da economia, cujas isenções devem ser compensadas com o IVA maior para os demais setores. Já se definiu que além da alíquota padrão, existirão outras duas: uma alíquota reduzida, para os serviços de educação, saúde, hotéis, restaurantes, produtos e insumos agropecuários e, uma alíquota zero, para a cesta básica, ainda a ser definida. Continuarão existindo os impostos seletivos, que incidirão sobre bebidas alcoólicas, fumo e produtos poluidores do meio ambiente.

Como a reforma tributária vai afetar o comércio exterior brasileiro? Do lado importador, os impostos de importação (Tarifa Externa Comum) não serão alterados. Para igualar os produtos importados com a mesma carga tributária dos bens produzidos internamente, são cobrados o IPI, PIS-COFINS, ISS, CIDE-Combustíveis, além do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM). O IVA único vai simplificar e acelerar esse processo, melhorando as condições de importação. Do lado exportador, a constituição de 1988 prevê, com exceção do ISS, a não incidência dos demais impostos sobre as exportações. Na prática, os produtos são onerados pelos impostos e os exportadores ficam sujeitos às operações complexas e burocráticas de recuperação dos valores pagos sobre as exportações. Somente no caso do ICMS, além dos problemas causados pelas diferenças de valor, conforme a origem, tem a polêmica com a Lei Kandir, com a recuperação das isenções pelos estados. O IVA único vai eliminar a guerra fiscal e os problemas de recuperação dos impostos, vai simplificar a arrecadação e desonerar as exportações.

A reforma em andamento tem um período relativamente longo de adaptação e de implantação (entra em vigor em 2033), mas as expectativas de melhoria da competitividade são ótimas, pela redução de grande parte do “custo Brasil.” 

* Professor colaborador/voluntário da UFV. Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Opinião Orlando Silva – Brasil: Um país “em desenvolvimento”

Orlando Monteiro da Silva*

Ao nível internacional, os países sempre foram agrupados para efeitos do cômputo e divulgação de informações estatísticas. Foi assim que durante o período da guerra fria eles foram classificados como de “primeiro a terceiro mundos”. No primeiro estavam os países capitalistas, aliados dos Estados Unidos. No segundo mundo, estavam os países socialistas, aliados da União Soviética e, no terceiro, todos os países não-alinhados naquela disputa. Foi após a Segunda Guerra Mundial, também, que a Organização das Nações Unidas (ONU) publicou uma série de dados econômicos dos países, classificando-os como desenvolvidos e subdesenvolvidos. Os países de alta renda per capita, onde estavam a maioria da indústria e que eram grandes exportadores, foram classificados como países desenvolvidos. Aqueles de baixa renda, cuja economia dependia da agricultura e dos recursos naturais foram designados como subdesenvolvidos. No entanto, o caráter depreciativo e a impressão de que o subdesenvolvimento era um estado permanente, fez o termo cair em desuso, sendo substituído por países em desenvolvimento ou emergentes. No início dos anos 90, a necessidade de considerar não apenas os aspectos econômicos, mas também os sociais, levou a adoção do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que além do PIB per capita, considerava indicadores de saúde e de educação. Instituições como a ONU e o Banco Mundial passaram a utilizá-lo na classificação dos países e adotaram uma terceira classe de países: os menos desenvolvidos. 

Na Organização Mundial do Comércio (OMC) os países foram divididos em: desenvolvidos, em desenvolvimento e menos desenvolvidos, com esses últimos classificados conforme os critérios da ONU, usando o IDH. Os demais se autodeclaram como desenvolvidos, ou em desenvolvimento. Foi assim que, em 2019, atendendo à exigência do presidente dos Estados Unidos, o Brasil renunciou ao título de país em desenvolvimento na OMC. Isso ocorreu em troca do apoio a sua indicação como membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Esperava-se que o ingresso na OCDE (o clube dos países ricos) iria melhorar a nota de risco do país e atrair investimentos com juros menores. Contudo, ao renunciar a condição de país em desenvolvimento o Brasil abriu mão dos benefícios do Tratamento Especial e Diferenciado (TED). O TED abre exceções ao princípio da não discriminação da OMC para que países menos desenvolvidos e em desenvolvimento tenham maior inserção no comércio mundial. Permite que tenham prazos maiores para se adaptar às determinações da OMC, que utilizem tarifas maiores para proteger seus produtos, que tenham facilidades de acesso em mercados específicos e mais flexibilidade e tratamento especial nos acordos comerciais, entre outros. 

No início de junho de 2023 o Brasil comunicou aos parceiros comerciais da OMC que voltou a ser um país em desenvolvimento. Até agora o país não ascendeu à OCDE, por falta do aval dos demais membros e por não ter se adequado à maioria dos padrões daquele grupo de países. Nas diversas classificações disponibilizadas, o Brasil já apareceu como país de terceiro mundo, subdesenvolvido, emergente e em desenvolvimento. O caminho para se tornar desenvolvido ainda é longo. Se serve como consolo, em dezembro próximo, o país assumirá a presidência do grupo das vinte maiores economias do mundo (G20), pelo período de 1 ano.

* Professor colaborador/voluntário da UFV. Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Opinião Orlando Silva – Defesa Comercial

Orlando Monteiro da Silva* 

A Defesa Comercial busca um comércio justo e competitivo entre os produtores domésticos e os estrangeiros. Para tanto, utiliza medidas para proteger a indústria de um país, de práticas consideradas desleais, tais como o “dumping” e os subsídios ilegais, ou de um surto inesperado de comércio. Para o combate às práticas desleais utilizam-se as medidas antidumping e as medidas compensatórias. Nos casos de aumentos significativos ou inesperados de importações, faz-se uso das salvaguardas.  

O dumping ocorre quando uma empresa exporta um produto com um preço mais baixo do que àquele que ela cobra no seu mercado interno. Nesse caso, o país afetado deve abrir um processo administrativo, com as regras estabelecidas pela OMC e, mostrar, por meio de uma investigação, que estas vendas estão afetando a produção da sua indústria. A comprovação do dano e o nexo com essas importações baratas, permite ao país adotar medidas antidumping, que são taxas adicionais sobre o preço do produto importado daquela empresa que praticou o dumping. Um exemplo recente é o das importações de alhos frescos ou refrigerados da China, que deverão ter uma taxa adicional sobre o preço de US$ 0,78/kg, até 2024.

Subsídios ilegais são os benefícios ou contribuições financeiras diretas, concedidos por órgãos públicos de um país exportador, para a sustentação de preços dos produtos exportados. Esses subsídios estimulam produção e exportações maiores e quando constatado que eles causam danos à determinada indústria de um país importador, permite que esse país adote medidas compensatórias. Provado o nexo causal entre os subsídios ilegais e o dano no país importador, obtém-se o direito de requerer uma compensação correspondente ao prejuízo daquele subsídio. O exemplo aqui é o do algodão. A legislação agrícola dos Estados Unidos permitiu a concessão de subsídios aos produtores que aumentaram em muito a produção e as exportações de algodão. O excesso do produto no mercado internacional reduziu os preços e afetou diretamente as receitas do Brasil e de outros países com as exportações. Um processo aberto junto à OMC provou o nexo causal entre aqueles subsídios e o dano à receita dos países com as exportações do algodão, o que fez com que o Brasil recebesse US$ 300 milhões, como compensação dos Estados Unidos, repassados ao Instituto Brasileiro do Algodão (IBA).

As salvaguardas são medidas emergenciais, tomadas quando há um aumento significativo nas importações de produtos específicos (em relação à produção nacional ou em termos absolutos), que causem prejuízos ao setor doméstico. Salvaguardas são as medidas mais protecionistas que existem, pois, penalizam os exportadores de outros países, simplesmente por eles serem mais competitivos. Usualmente, utilizam-se tarifas sobre as importações, ou cotas, que vão limitar as quantidades importadas. As salvaguardas são comuns como regras dos Acordos Preferenciais de Comércio. No acordo entre o MERCOSUL e a União Europeia, por exemplo, há uma proposta de redução tarifária geral. Uma cláusula de salvaguardas do acordo, contudo, permite a suspensão temporária das reduções nas tarifas por 2 anos, caso seja for detectado um surto nas importações de qualquer produto.

* Professor colaborador/voluntário da UFV. Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Opinião Orlando Silva – O Custo Brasil

Orlando Monteiro da Silva*

O Custo Brasil pode ser definido como o conjunto de ineficiências e distorções existentes na economia brasileira, que aumentam os custos de fazer negócios e prejudicam a competitividade da produção e das exportações. Internamente, as dificuldades estruturais, econômicas e burocráticas, encarecem diretamente os produtos e serviços, aumentando o custo de vida. Ao prejudicarem o ambiente de negócios e a produtividade, comprometem os investimentos externos no país e prejudicam a competitividade das exportações.

Muitos são os componentes que pesam sobre o Custo Brasil e a sua intensidade varia nos diferentes setores da economia. Entre os mais importantes, pode-se citar: a infraestrutura; a burocracia; a corrupção; a estrutura tributária; e, a insegurança jurídica. Ninguém desconhece os problemas do país, com as estradas mal conservadas, transportes rodoviários e ferroviários deficientes, portos e aeroportos insuficientes e mal equipados. Além disso, têm-se os problemas de comunicação, com a banda larga ainda inexistente em vários pontos do país. A burocracia e a regulamentação excessiva demandam tempo, esforço e capital. Ressalta-se a complexidade da legislação tributária e os altos encargos sociais da legislação trabalhista. Recursos desviados do setor produtivo, da saúde e da educação, para a corrupção, abala a confiança no setor público, afeta as decisões de investimento e limita o crescimento econômico. A insegurança jurídica existe pela morosidade do sistema judicial brasileiro, pela impunidade, pela enorme quantidade de leis e pela complexidade do sistema jurídico. 

Apesar das dificuldades, muitos são os trabalhos que procuram quantificar o Custo Brasil. A comparação é sempre feita com algum país ou grupo de países desenvolvidos, ao longo de um período. Importante observar, contudo, que, se o objetivo é diminuir a diferença de custo existente com esses países, as políticas nacionais a serem adotadas devem proporcionar uma redução mais acelerada dos custos no Brasil, do que aquela que ocorre nos países utilizados para a comparação. O estudo mais recente e completo já realizado no Brasil, é o da Fundação Getúlio Vargas, encomendado pelo Movimento Brasil Competitivo. Foram elencados 12 capítulos, com subdivisões em 36 componentes do Custo Brasil, que foram comparados com a média dos custos dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os resultados mostraram que o Custo Brasil foi de R$ 1,7 trilhões de reais, em 2021, equivalentes à 19,5% do PIB. Esse valor corresponde ao que é “gasto a mais” no país, para produzir os mesmos produtos e serviços, quando comparado à média dos custos dos países da OCDE. Os custos de empregar capital humano, com tributos, de acesso ao capital, com infraestrutura, insegurança jurídica e com barreiras às cadeias globais, sozinhos, representam 80% do Custo Brasil total.

Esses resultados mostram que a agenda de competitividade no Brasil continua mais atual do que nunca e indica os componentes onde as políticas públicas terão efeito mais significativo para o país. A reforma tributária, em andamento, pode dar uma grande contribuição nesse caso.

* Professor colaborador/voluntário da UFV. Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Opinião Orlando Silva – O Dólar como moeda chave no comércio internacional

Orlando Monteiro da Silva*

 

Muito tem sido falado sobre a substituição do dólar por outras moedas nas transações internacionais. No entanto, pouco se comenta sobre como o dólar chegou lá e se uma substituição é possível. 

Tudo começou em 1944, numa cidade dos Estados Unidos, chamada Bretton Woods, que sediou e deu nome à conferência internacional, cujo objetivo foi arrumar o sstema monetário internacional, desarrumado pela grande depressão e pela segunda guerra mundial. Durante aqueles eventos ocorreram grandes desvalorizações das moedas dos países, de controles do comércio e dos pagamentos. Antes desses eventos, prevalecia o padrão ouro, no qual cada governo fixava o preço do ouro em termos da moeda doméstica e, indiretamente, fixava a taxa de câmbio entre as diferentes moedas. A taxa de câmbio única funcionava como uma língua comum, reduzindo os custos de transação e facilitando o comércio internacional. Visando um retorno às condições anteriores, o resultado daquela conferência permitiu uma pequena flexibilidade à taxa de câmbio (+/- 1%) e deu ao dólar o papel primordial de manter a paridade com o ouro (35 dólares por onça), em um novo sistema a ser administrado pelo recém-criado Fundo Monetário Internacional (FMI). Os países membros deveriam informar ao FMI os valores em ouro ou em dólares de suas moedas e intervir nos mercados de ouro ou dólar, para manter as moedas dentro daquele limite de paridade. Desvalorizações das moedas seriam permitidas somente se houvesse alguma mudança fundamental nas economias. Os países manteriam a paridade de suas moedas mantendo reservas em ouro, dólares ou, tomando empréstimos do FMI. Os Estados Unidos tinham acumulado muito ouro após a II Guerra e, em 1949, detinham 75% de todo o estoque oficial. Assim, os demais países declararam ao FMI a paridade das suas moedas em dólares, mantiveram reservas basicamente em dólares e intervinham nos mercados de moeda usando dólares. A possibilidade de receber juros nas aplicações em dólares foi um estímulo adicional. Esse sistema de taxas de câmbio ajustável permaneceu até 1971, quando os Estados Unidos desvalorizaram o dólar em relação ao ouro. Em 1973, uma nova desvalorização e o fim da conversibilidade ao ouro, tornou o sistema de taxas de câmbio totalmente flexível.    

A mudança do sistema cambial não mudou o papel do dólar nos mercados internacionais e os bancos centrais continuaram a adicioná-lo em suas reservas. Segundo o FMI, 60% das reservas dos Bancos Centrais são em dólares (outros 20% em EUROS), além de 90% das transações internacionais serem faturadas em dólares. É a moeda da maior economia do mundo, com estabilidade política e econômica, instituições sólidas, onde se observa o estado de direito e o direito de propriedade. Há abertura e integração aos mercados globais e estabilidade da moeda, que mantém as funções de meio de troca e reserva de valor, sendo amplamente aceita e confiável.  

Entre as sugestões de substituição do dólar estão o EURO, o Renmimbi (yuan) e as criptomoedas. O Euro ganhou algum status quando do seu lançamento, mas vem encontrando resistências até mesmo entre os países membros. O renmimbi é a moeda de um Estado totalitário, pouco transparente e que interfere nos mercados de capital e crédito. As criptomoedas estão fora dos sistemas regulatórios e a falta de estabilidade inibe sua utilização e manutenção. Transações bilaterais esporádicas continuarão a ser realizadas com essas e outras moedas, mas parece muito improvável que ocorra a substituição do dólar como moeda chave no mercado internacional.

* Professor colaborador/voluntário da UFV. Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Opinião Orlando Silva – Plásticos: Poluição e Comércio Internacional

Orlando Monteiro da Silva*

A poluição por plásticos é um grande desafio a ser enfrentado ao nível global e cuja preocupação tem crescido enormemente nos últimos anos. Contribuiu muito para isso alertas de organizações ambientalistas e o visual frequentemente mostrado nos programas de televisão e na internet, sobre o “vazamento” dos plásticos para os rios os oceanos. Há uma estimativa (BOUCHER e FRIOT, 2017) de que 5,2 trilhões de partes de plástico estão flutuando nos oceanos. Uma ilha de lixo flutuante (98%), entre a costa da Califórnia e o Havaí, nos Estados Unidos, tem cerca de três vezes o tamanho da França. Além das grandes partes, das sacolas e garrafas plásticas, o alerta maior tem sido sobre as partes muito pequenas, conhecidas como microplásticos. Elas são originárias da quebra dos plásticos maiores, da lavagem dos tecidos sintéticos, do desgaste dos pneus e da erosão dos revestimentos de tintas, sendo extremamente danosas à biodiversidade, aos ecossistemas, a vida selvagem, à pesca e à saúde humana.

A explicação para essa poluição e o seu vazamento para o meio ambiente tem recaído sobre a incapacidade dos governos, em todos os seus níveis, em coletar e separar os resíduos plásticos, reciclar e reutilizá-los com segurança. A maior parte deles vai para aterros sanitários mal administrados, é incinerada produzindo emissões tóxicas, ou acaba poluindo diretamente os campos, ruas, rios e oceanos. Muitos países e, especialmente, os “em desenvolvimento”, enfrentam redes de esgoto entupidas, cursos d’água bloqueados e, poluição do solo e do ar. Além do mais, toda a cadeia dos plásticos, desde a exploração dos combustíveis fósseis, base da sua produção, passando pelo transporte e transformação para o consumo final, até sua reciclagem (quando é o caso), é responsável por emissões significativas de gases do efeito estufa. 

A economia dos plásticos é extremamente globalizada e os países em desenvolvimento têm importância capital em todo o processo, por serem os maiores produtores e fornecedores de matérias-primas, maiores consumidores e, o principal destino das exportações de resíduos plásticos. Segundo a WTO (2020), a participação dos países desenvolvidos na produção global de plásticos caiu de 52,5% para 39%. O consumo anual na América do Norte e na Europa é de 137 kg/ per capita, enquanto nos países em desenvolvimento é de 27 kg, mas com uma população muito maior. Os resíduos plásticos têm como maiores exportadores os países de alta renda (Alemanha, Estados Unidos, Japão, entre outros), com exceção da China, México, Tailândia, Filipinas e Indonésia. Do lado importador, 75% desses resíduos se destinam aos países em desenvolvimento. É essa abrangência geográfica da cadeia dos plásticos e sua relevância econômica, ambiental e para a saúde humana, que torna o comércio internacional ator imprescindível nas discussões sobre a poluição por plásticos. 

* Professor colaborador/voluntário da UFV. Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Opinião Orlando Silva – Café: As exigências sanitárias do Japão revisitadas

Orlando Monteiro da Silva*

Em 2015, um artigo avaliou as notificações sanitárias (SPS) e técnicas (TBT) enviadas à Organização Mundial do Comércio (OMC), sobre as exigências dos países para a importação do café. Utilizando a classificação de quatro dígitos do Sistema Harmonizado de classificação de mercadorias (HS 0901), que corresponde ao café em grãos, foi mostrado que entre os anos de 1995 e 2014 foram emitidas 22 notificações técnicas e 99 sanitárias e fitossanitárias. O Japão, sozinho, emitiu 49 das notificações sanitárias, que correspondiam a quase 50% daquele total. As justificativas utilizadas foram sempre as da saúde humana e da segurança alimentar, com a imposição de limites máximos aos resíduos (LMR) de agrotóxicos. Passados nove anos, essa nota mostra como tem sido a evolução das notificações daquele país e o que mudou ao longo desse período.  

De janeiro de 2015 a dezembro de 2022 o Japão emitiu outras 203 notificações SPS e nenhuma notificação TBT para o café em grão.  Isso corresponde a quase cinco vezes o número de notificações emitidas nos 20 anos anteriores e reforça a tendência crescente na emissão de notificações que tem sido verificada mundialmente. Destas, 34 foram notificações Addendum, que acrescentam alguma coisa em notificações já existentes; duas Corrigendum, que fazem alguma correção; e cinco, Revisões, que trocam ou alteram o escopo das notificações.  Com exceção de alguns poucos casos, nos quais o país especifica as exigências quarentenárias e a necessidade de fiscalização das exportações no país de origem, todas as demais notificações dizem respeito aos limites máximos de resíduos de produtos químicos no café. Em 96 casos, aquele país adotou um LMR de 0,01 ppm (partes por milhão, ou miligramas de resíduos de agrotóxicos por quilograma de um produto).  No Japão, uma Fundação de Pesquisa Química Alimentar faz a revisão periódica dos LMR de todos os produtos agrícolas e alimentares. Ela assume o valor máximo de 0.01 ppm para qualquer resíduo químico em produtos cujos LMR não tenham ainda sido estabelecidos, além de proibir sua importação e distribuição. Talvez por isso, a grande frequência desses limites. Ocorreram reduções dos LMR em 33 notificações e aumentos em outros 70 casos.

O Japão é conhecido como um modelo mundial de dieta saudável e que tem adotado limites cada vez mais rigorosos de resíduos de agrotóxicos nos alimentos. Em nível internacional a fixação de LMR é função do Codex Alimentarius, comissão conjunta da FAO (Órgão das Nações Unidas para a agricultura e alimentação) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) e reconhecida como órgão harmonizador dessas normas. Contudo, o Codex não tem conseguido fixar limites de resíduos de agrotóxicos para muitos princípios ativos e produtos. Isso provoca interpretações diferentes pelos países e os estimula a estabelecer limites mais rigorosos e divergentes, o que, consequentemente, gera mais conflitos nas relações comerciais. A possibilidade dos LMR se tornarem barreiras ao comércio do café exige, portanto, o conhecimento prévio e uma avaliação constante dos mesmos, para que as exportações não sejam prejudicadas. 

* Professor colaborador/voluntário da UFV. Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Opinião Orlando Silva – A primeira tarifa de importação de carbono

Orlando Monteiro da Silva*

Deverá entrar em vigor em 2023, na União Europeia, a primeira tarifa alfandegária (imposto de fronteira) sobre a emissão de carbono pelos produtos importados. As preocupações ambientais levaram o Parlamento Europeu a adotar em dezembro passado essa medida, que, em princípio, incidirá sobre as importações de produtos intensivos em carbono tais como ferro, aço, cimento, alumínio, fertilizantes, eletricidade, hidrogênio, entre outros. Sob o argumento da melhoria nos padrões ambientais mundiais o objetivo principal é o da proteção da indústria local, já que os importadores terão de pagar por licenças de emissão de carbono (licenças para poluir) o mesmo preço pago pelos produtores domésticos daqueles produtos. A equiparação desses custos protege as empresas da União Europeia da competição internacional e evita a mudança da produção local para países de fora do bloco, onde as exigências ambientais são menores.

O mecanismo de taxar as importações de carbono nas fronteiras vem sendo discutido há décadas e consiste em impor uma taxa sobre o preço do produto importado equivalente à diferença de preço da emissão de carbono no país produtor e no país importador. As emissões de carbono e de outros gases poluentes geram um custo social (externalidade) que, quando incorporado ao valor dos produtos, elevando-os, são considerados como a melhor maneira de reduzir as emissões e de corrigir essa falha de mercado. Contudo, existem várias questões a serem observadas sobre a avaliação desse custo social. Uma delas é que muitos países não precificam suas emissões de carbono e, entre os que o fazem, há grande diferença nas metodologias de cálculo e nos valores calculados. Isso exigiria a imposição de tarifas variadas de acordo com a origem do produto importado, dificultando a administração do processo e gerando mais ruido no mercado. Se a opção for por uma tarifa única, o compromisso assumido no Acordo de Paris, da responsabilidade comum (o aquecimento global é um problema de todos os países) mas diferenciado (países historicamente mais industrializados deveriam contribuir mais) vai ser questionado. Também, os princípios de não discriminação da Organização Mundial do Comércio (OMC), como os da Preferência Nacional e da Nação Mais Favorecida, certamente serão acionados. 

O aquecimento global é uma preocupação generalizada e a redução dos gases do efeito estufa torna-se essencial e urgente. A introdução de uma tarifa de importação em um mercado tão importante quanto o da União Europeia pode até encorajar os produtores dos países exportadores a adotar metas mais ambiciosas de precificar suas emissões de carbono para evitar os efeitos dessa taxa. No entanto, a adaptação para uma economia de baixo carbono vai exigir mudanças maiores nas atividades econômicas de produção, distribuição e consumo. Talvez, a contribuição do comércio internacional fosse maior com a redução das barreiras tarifárias ou não aos produtos ambientais e uma maior difusão das tecnologias ambientais entre os países. 

* Professor colaborador/voluntário da UFV. Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.