Artigo: OMC x OCDE

Orlando Monteiro da Silva*

Ainda não foi dessa vez que o Brasil teve acesso à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Fomos preteridos pela Romênia e Argentina (nosso eterno rival) e voltou-se a comparar as vantagens e desvantagens do Brasil abrir mão da sua condição de “pais em desenvolvimento”  na Organização Mundial do Comércio (OMC) para ser membro da OCDE.

A OMC é uma instituição criada para supervisionar o comércio internacional, regulamentar os acordos e os processos de resolução de conflitos comerciais entre os países. O Brasil é membro da OMC desde a sua criação, em 1995, e do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), que a precedeu, desde 1948. Atualmente, são 164 países membros, cujos votos no Conselho Geral são iguais, mas que têm direitos diferentes de acordo com a condição econômica autodeclarada pelos países. Os países “em desenvolvimento” por exemplo, tem mais tempo para implantar as normas adotadas pela OMC e não precisam oferecer reciprocidades nas negociações de liberalização comercial. Ao abrir mão dessa condição o Brasil abriu mão, também, desses direitos.

Na OCDE os países membros estabelecem parâmetros conjuntos de regras econômicas e legislativas (políticas públicas) para promover o desenvolvimento e o bem-estar econômico. Ter democracia representativa e economia de mercado são condições primordiais para o acesso e todos os membros têm Produtos Internos Brutos (PIB) e Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) elevados, o que lhe rendeu o apelido de “clube dos países ricos”.  Atualmente a OCDE tem 38 membros e o Brasil é um país observador desde 2007, tendo inclusive já assinado alguns acordos de boas práticas. A grande vantagem de um acesso pleno é a “certificação” de qualidade das políticas públicas do país, o que o tornaria mais atraente para os investimentos internacionais. O país teria suas políticas públicas nas áreas de economia, saúde, educação, segurança, etc, revisadas e adaptadas aos padrões internacionais, tornando-se mais transparente e tendo que melhorar a gestão e os gastos públicos.

O Brasil é um país democrático e uma economia de mercado com um PIB entre os 10 maiores do mundo. Contudo, a renda interna é mal distribuída e o IDH muito desigual entre as regiões, com os indicadores de educação e saúde sugerindo problemas. O acesso à OCDE daria protagonismo ao país na elaboração e acompanhamento de boas políticas e na solução dessas desigualdades, mas não o impede de adotá-las, mesmo não sendo um membro efetivo. O país precisa mostrar à comunidade internacional que está compromissado com a melhoria dessas condições e de outras, tais como o equilíbrio fiscal, o combate à corrupção e a sustentabilidade ambiental.  Em assim procedendo, serão eles os interessados em ter o Brasil como membro, afinal de contas o país é uma grande economia, com um grande mercado e uma forte liderança regional. Deve-se aceitar, contudo, que na ânsia de um acesso rápido à OCDE, cedeu-se mais do que deveríamos. Para agradar e ter o apoio do governo americano, foram concedidas isenções tarifárias e a liberação de vistos consulares, sem contrapartidas. O Brasil abdicou da condição de país “em desenvolvimento” na OMC e não teve acesso ao clube dos ricos na OCDE, caracterizando duas oportunidades perdidas com esse episódio.

*Professor Titular da UFV.

Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Artigo: Guerra Comercial: O Primeiro Tiro

Orlando Monteiro da Silva*

Vive-se, na atualidade, uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a China com ações e consequências imprevisíveis para a economia mundial como um todo. Mas qual é a origem e as justificativas para essa guerra? A origem foi a decisão do governo dos Estados Unidos de reduzir o crescente déficit comercial (importações maiores que as exportações), que atingiu 950 bilhões de dólares em 2018. Ao mesmo tempo, o governo cumpriria uma promessa de campanha, protegendo a enfraquecida indústria americana, do que o Presidente Trump chamou de “práticas internacionais agressivas”. Assim, em março de 2018, a Casa Branca adotou sobretaxas (tarifas) de 25% e 10% sobre o aço e o alumínio, respectivamente, alegando um surto de importações (principalmente do aço) com preços abaixo daqueles de mercado e muitas vezes, subsidiados pelos países de origem.

O argumento político utilizado pelos Estados Unidos foi o da proteção essencial à segurança nacional, baseado em uma lei interna (Trade Expansion Act de 1962). Em termos econômicos, a medida configurou-se como uma “salvaguarda“, que é a imposição temporária de taxas adicionais ou restrições nas quantidades importadas, para proteger um setor específico da economia que esteja sofrendo dano pelo aumento nas importações. Ela é diferente de outras medidas de defesa comercial, tais como as medidas compensatórias e as antidumping, quando as retaliações ocorrem sobre uma empresa específica, comprovado o dano à indústria doméstica. No caso das salvaguardas o país adota as restrições sem especificar a empresa ou parceiro comercial que será atingido pela medida. As regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) permitem o uso das salvaguardas desde que observados procedimentos específicos para a sua aplicação. Apesar da medida dos Estados Unidos ter sido aplicada de forma generalizada, deve ser lembrado que as importações do México, Canadá, Brasil, Argentina e Austrália, foram posteriormente isentas daquele aumento das tarifas.

As salvaguardas costumam ser altamente protecionistas, desde que alguns exportadores podem ser punidos simplesmente por produzirem com custos menores (serem mais eficientes) do que os produtores domésticos.

A opção pelo aço deveu-se ao excesso de produção mundial que vem batendo recordes ano após ano. A produção mundial quase dobrou entre 2000 e 2017, com um crescimento de 47,1%. Segundo a Associação Mundial do Aço (WSA)[1] , a produção atual é de 1,69 bilhões de toneladas, com a China sendo o maior produtor (831,73 milhões/ton), seguida da União Europeia (168,31 milhões/ton) e do Japão (101,44 milhões/ton). Os Estados Unidos são o quinto maior produtor mundial (81,61 milhões/ton) e o Brasil o oitavo (34.36 milhões/ton). Em termos de exportações, a China detém 13,5% do mercado, seguida do Japão (6,7%) e da Coréia do Sul (6,0%). Esse excesso de produção tem reduzido os preços e inundado os mercados mundiais, o que gerou a pressão da indústria dos Estados Unidos por proteção e o primeiro tiro dessa guerra comercial com a China.

[1] https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=World+Steel+Association

*Professor Titular da UFV.

Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.

Artigo: Uma nova guerra comercial está no ar

Orlando Monteiro da Silva*

Após uma reclamação formal feita há 15 anos atrás, os Estados Unidos foram autorizados pelo Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC) a aplicarem US$ 7,49 bilhões em tarifas retaliatórias à União Europeia (UE), como compensação aos subsídios ilegais concedidos pela UE à fabricante de aviões Airbus. A primeira sentença ocorreu em 2011, mas como a  UE não suspendeu os subsídios, os Estados Unidos foram autorizados a retaliar.  A opção dos Estados Unidos foi por cobrar tarifas de 10% sobre os aviões e 25% sobre produtos agrícolas e industrializados típicos dos países europeus. Anunciou-se a taxação dos vinhos e azeitonas da França, uísque e roupas de cama do Reino Unido, café e máquinas da Alemanha, queijos da Itália e carne de porco e azeite de oliva da Espanha. A decisão americana vai gerar mais um imbróglio nos mercados internacionais e trazer mais incerteza para a economia.

A solução de controvérsias é considerada o pilar central do sistema multilateral de comércio, por tornar o sistema de negociação mais seguro e previsível. Na época do antigo GATT já existia um procedimento para resolver as disputas comerciais entre os países, as quais eram facilmente bloqueadas e se prolongavam por longos períodos de tempo. Sob aquele sistema, as decisões só podiam ser tomadas por consenso e uma única objeção poderia bloquear a decisão. Com a criação da OMC, em 1995, foi introduzido um processo mais estruturado, com etapas e prazos claramente definidos para a resolução das disputas e sob o qual, as decisões são tomadas automaticamente, a menos que haja um consenso para rejeitá-la. Ao se tornarem membros da OMC os países se comprometem a respeitar os procedimentos acordados e os julgamentos.

Uma disputa surge quando um país adota uma medida ou ação política que um ou mais países membros considere que esteja violando os acordos da OMC. Feita uma reclamação, os países envolvidos tem até 60 dias para conversar e tentar resolver as diferenças. Se as consultas entre eles falharem, o país reclamante pode pedir a formação de um painel de especialistas para julgar o caso. A resolução da disputa é de responsabilidade do Órgão de Solução de Controvérsias, que é uma outra forma do Conselho Geral, formado pelos representantes de todos os países membros, se reunir. É esse órgão que estabelece os “painéis” de especialistas (de 3 a 5 membros) que vão analisar o caso e indicar o que deve ser feito sobre as medidas questionadas.  Ao órgão de solução de controvérsias cabe, também, aceitar ou rejeitar os resultados dos painéis, tendo o poder de autorizar uma retaliação temporária caso o país perdedor não adeqúe a sua política de acordo com a decisão ou recomendação final do julgamento.

O valor da retaliação concedido nesse caso aos Estados Unidos, equivale aos danos causados à empresa americana Boeing e deveria, se possível, ser aplicado em produtos do mesmo setor (aéreo), incentivando a UE a cumprir as normas questionadas. A aplicação de tarifas em produtos agrícolas e manufaturados típicos da UE, inclusive de países que não têm ligação direta na produção da Airbus (Itália), mostra o estilo Trump de fazer política, sempre com alarde e objetivos obscuros. É importante lembrar que a UE tem um processo semelhante na OMC contra os Estados Unidos, pelos mesmos motivos (subsídios dados à Boeing), com decisão prevista para alguns meses. Guerra à vista!

*Professor Titular da UFV.

Mestrado em 1979 pela UFV e Doutorado em 1990 pela North Carolina State University. Atua em barreiras não alfandegárias e comércio internacional, demanda e interdependência de mercados, métodos quantitativos em economia e comércio internacional de commodities agrícolas.